A liberdade religiosa como direito humano

23/05/2016 23/05/2016 15:51 366 visualizações

A história de nosso País demonstra que a formação do Brasil é oriunda da diversidade. A concepção do Estado Brasileiro sofreu a influência de diferentes culturas dentre as quais a indígena, a negra e a europeia. E diante dessa pluralidade cultural é que também se formou o pluralismo religioso.

No processo de construção da democracia brasileira, entre várias conquistas, evidencia-se o direito fundamental do indivíduo à liberdade religiosa. A Constituição da República estabelece como sendo dever do Estado a proteção a esse pluralismo religioso, com o respeito a todas as crenças e cultos, bem assim àqueles que não professam nenhuma religião.

E para que se obtenha esse respeito à pluralidade é que, na construção do Estado Democrático optou o constituinte pela laicidade do Estado brasileiro. Um Estado laico não adota qualquer orientação religiosa, mas defende, como garantia da democracia, a pluralidade no exercício de qualquer crença.

Nesse mesmo processo o Brasil tornou-se ainda signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, realizada em São José da Costa Rica ainda em 1969, à qual garante que “toda pessoa tem o direito à liberdade de consciência e religião”, mencionando ainda como implicações desse direito a liberdade de conservar ou de mudar sua religião ou suas crenças, de professá-las e divulgá-las de forma individual ou coletiva, pública ou privada.

Porém, a existência de tais garantias, não significa que em nosso país, todas as pessoas tenham assegurados os seus direitos à livre manifestação religiosa, seja por meio de cultos, roupas típicas ou qualquer outro sinal exterior que identifique a sua crença. Existem determinadas religiões, como as de matriz africana, e, mais recentemente, a religião mulçumana, que ainda sofrem com preconceito e discriminação decorrentes da intolerância religiosa.

O Brasil é ainda signatário da Declaração sobre eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1981, e que garante o direito à liberdade de religião, protegendo ainda a prática de cultos ou celebrações, bem assim a manutenção de lugares (templos) para esses fins.

Nada obstante, ainda permanecem em nossa sociedade atitudes de intolerância religiosa que se revelam em verdadeiros crimes de ódio e ofensa à liberdade e dignidade humana. Em nossa história recente encontramos denúncias de destruição de sacrários e de imagens de santos católicos, de incêndios de terreiros de candoblé, e mesmo situações de ofensa ao direito de não acreditar, também alcançado pelo direito à liberdade religiosa.

A história demonstra que a religião tem o poder de provocar transformações sociais, sejam de ordem política, econômica e social. Em que pese laico o Estado, as pessoas que nele habitam tem suas ações muitas vezes influenciadas por suas crenças. Porém, tal influência deve estar adstrita ao limite da intolerância, na medida em que precisam ser garantidas todas as formas de manifestação religiosa.

À Defensoria Pública que tem como objetivos a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado Democrático de Direito e a prevalência e efetividade dos direitos humanos cabe à defesa do reconhecimento da liberdade religiosa como direito humano que deve ser respeitado como todos os demais. Cabe também à Defensoria Pública a defesa da laicidade do Estado, como forma de garantir o pluralismo religioso.

É trabalho da Defensoria Pública enfrentar a violação a esses direitos de forma a garantir que todas as religiões respeitem a crença e o culto umas das outras, atentando ainda para o fato de que não cabe ao Estado definir o que é ou não religião, mas promover todas as manifestações culturais que se denominem religião.

E aos Defensores Públicos como agentes políticos de transformação social, cabe a defesa do pluralismo religioso e da livre manifestação da crença. Em que pese também livres para manifestar suas crenças, esses agentes políticos, a quem incumbe, com prioridade, a defesa dos direitos humanos, devem pautar suas ações de forma a garantir a primazia desse direito humano e de todos os demais a todas as pessoas, de todos os credos e também àqueles que não professam qualquer crença.

Kenia Martins Pimenta Fernandes

é defensora pública e diretora regional de Porto Nacional da Defensoria Pública do Estado do Tocantins